segunda-feira, 28 de março de 2011

Entrevista ao Pe. José António Afonso Pais

No seguimento do Simpósio sobre o Luto, fica como balanço a entrevista ao Pe. José António Afonso Pais, feita pelo Correio de Coimbra.

CC. A questão da morte ainda continua a ser um assunto tabu?
JAAP. Parece que a sociedade não consegue viver sem tabus. Mas os tabus dependem da maneira de pensar e de viver dos homens e mulheres de cada época da história. A morte é vista como um fracasso, como o desmoronar de toda uma vida e não como plenitude. Não pensamos nela, não a assumimos como algo integrante da nossa vida. Como não queremos assumir o nosso sofrimento, a nossa dor, também o luto é “desviado” para a privacidade de cada um; basta ver a quantidade de óculos escuros nos funerais. Morte e luto são duas realidades que nos acompanham em cada dia da nossa vida. Todos os dias morremos para algo, todos os dias temos perdas em alguma situação; por isso, todos os dias somos chamados a fazer luto de muita coisa. O problema está em assumirmos isso ou não.

CC. Nós cristãos apesar de acreditarmos na ressurreição e na vida eterna ainda temos muitas dificuldades em lidar com a perda de alguém... como interpreta isto?
JAAP. O problema está em pensarmos que “perdemos” alguém. Mas... não será que ganhámos esse alguém? Está connosco de maneira diferente. Não existe o contacto físico, é verdade, mas existe um outro tipo de presença à qual, infelizmente, não damos valor. Entre nós, cristãos, há um problema de linguagem: falamos aos homens e mulheres de hoje com linguagem de há muitos anos. A mentalidade de hoje é muito diferente da de há uns anos a esta parte. Creio que todos somos capazes de descobrir que a nossa linguagem não “pega”. Não seremos capazes de transmitir as verdades evangélicas de maneira que as pessoas dos nossos dias as entendam? E há algo que talvez estejamos a esquecer: a presença junto das pessoas. O afecto junto de quem sofre. Institucionalizámos a nossa presença. Usamos palavras banais, gestos banais. Não permitimos que as pessoas sofram porque nós também não queremos sofrer ao vê-las sofrer.

CC. Como se aprende ou se ensina a “fazer luto”? Aquilo que ouvimos ao longo de dois dias é muito interessante... mas o problema é lidar com os sentimentos de perda de uma mãe, de um irmão ou de um amigo...
JAAP. Primeiro que tudo, há que aceitar a realidade. Tomar consciência de todo o processo que está inerente a uma perda, seja ela de que tipo for: uma notícia grave, uma doença, um acidente, a idade, as capacidades que vão desaparecendo, um familiar que morre. Desde a negação até à aceitação vai um longo caminho que não é igual para todos e que tem também temporização diferente de pessoa para pessoa. Poderemos falar dumas 5 etapas: choque (que pode levar a viver uma situação de egocentrismo), consciência da perda (que traz consigo ansiedade), conservação (desespero, isolamento), cura (ganhar controlo, reestruturação da identidade), renovação (novo nível de funcionamento, recuperação). Nunca viver um processo de luto sozinho, procurar sempre ajuda. Ser capaz de verbalizar todo o sofrimento.

CC. Este simpósio teve uma vez mais a presença de 800 participantes... Qual é o segredo para tanta adesão? Que balanço pode fazer?
JAAP. Tivemos, este ano, 860 inscrições. Segredo? Talvez o escolhermos temas que são pouco tratados. E não nos esqueçamos que, a pouco e pouco, nos vamos dando conta que a técnica não é tudo e não resolve todos os problemas. Nós somos pessoas, não somos máquinas. Uma máquina não pode, de maneira nenhuma, resolver os meus problemas espirituais ou psicológicos, os meus problemas afectivos. Cada vez mais os profissionais da saúde se vão consciencializando que se têm de preparar para atender a pessoa na sua globalidade, duma maneira holística. Por isso vemos nestes Simpósios tantos profissionais da saúde. O balanço que faço é extremamente positivo. Claro que temos de burilar alguns aspectos. Mas conseguir organizar um acontecimento destes só com uma equipa maravilhosa que trabalha com “profissionalismo”! Vamos continuar. Assim Deus nos ajude.

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